Com
sua fervorosa vida de oração e seu apaixonado amor a Jesus Crucificado, São
João Maria Vianney alimentou a sua cotidiana doação sem reservas a Deus e à Igreja.
O Cura d'Ars era
humilíssimo, mas consciente de ser, enquanto padre, um dom imenso para o seu
povo: "Um bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus, é o maior
tesouro que o bom Deus pode conceder a uma paróquia e um dos dons mais
preciosos da misericórdia divina".
Falava do sacerdócio como
se não conseguisse alcançar plenamente a grandeza do dom e da tarefa confiados
a uma criatura humana: "Oh como é
grande o padre! [...] Se lhe fosse dado compreender-se a si mesmo, morreria.
[...] Deus obedece-lhe: ele pronuncia duas palavras e, à sua voz, Nosso Senhor
desce do Céu e encerra- Se numa pequena hóstia".
E, ao explicar aos seus
fiéis a importância dos Sacramentos, dizia: "Sem
o Sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele
sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do
ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar
a sua peregrinação? O sacerdote. Quem há de prepará-la para comparecer diante
de Deus, lavando- a pela última vez no Sangue de Jesus Cristo? O sacerdote,
sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer [pelo pecado], quem a
ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote.
[...] Depois de Deus, o sacerdote é tudo! [...] Ele próprio não se entenderá
bem a si mesmo, senão no Céu".
Estas afirmações, nascidas
do coração sacerdotal daquele santo pároco, podem parecer excessivas. Nelas,
porém, revela-se a sublime consideração em que ele tinha o sacramento do
sacerdócio. Parecia subjugado por uma sensação de responsabilidade sem fim: "Se compreendêssemos bem o que um
padre é sobre a terra, morreríamos: não de susto, mas de amor. [...] Sem o
padre, a Morte e a Paixão de Nosso Senhor não teria servido para nada. É o
padre que continua a obra da Redenção sobre a terra [...]. Que aproveitaria
termos uma casa cheia de ouro, se não houvesse ninguém para nos abrir a porta?
O padre possui a chave dos tesouros celestes: é ele que abre a porta; é o
ecônomo do bom Deus; o administrador dos seus bens [...]. Deixai uma paróquia
durante vinte anos sem padre, e lá adorar-se-ão as bestas. [...] O padre não é
padre para si mesmo, é-o para vós".
Santidade objetiva do ministério e santidade subjetiva do ministro
Tinha chegado a Ars, uma
pequena aldeia com 230 habitantes, precavido pelo Bispo de que iria encontrar
uma situação religiosamente precária: "Naquela paróquia, não há muito amor
de Deus; infundi-lo-eis vós". Por conseguinte, achava-se plenamente
consciente de que devia ir para lá a fim de encarnar a presença de Cristo,
testemunhando a Sua ternura salvífica: Meu Deus, "concedei-me a conversão
da minha paróquia; aceito sofrer tudo aquilo que quiserdes por todo o tempo da
minha vida!": foi com esta oração que começou a sua missão. E, à conversão
da sua paróquia, dedicou- se o Santo Cura com todas as suas energias, pondo no
cume de cada uma das suas ideias a formação cristã do povo a ele confiado.
Amados irmãos no
sacerdócio, peçamos ao Senhor Jesus a graça de podermos também nós assimilar o
todo pastoral de São João Maria Vianney.
A primeira coisa que
devemos aprender é a sua total identificação com o próprio ministério. Em
Jesus, tendem a coincidir Pessoa e Missão: toda a Sua ação salvífica era e é
expressão do Seu "Eu filial" que, desde toda a eternidade, está
diante do Pai em atitude de amorosa submissão à Sua vontade. Com modesta, mas
verdadeira analogia, também o sacerdote deve ansiar por esta identificação. Não
se trata, certamente, de esquecer que a eficácia substancial do ministério
permanece independentemente da santidade do ministro; mas também não se pode
deixar de ter em conta a extraordinária frutificação gerada do encontro entre a
santidade objetiva do ministério e a subjetiva do ministro.
O Cura d'Ars principiou
imediatamente este humilde e paciente trabalho de harmonização entre a sua vida
de ministro e a santidade do ministério que lhe estava confiado, decidindo
"habitar", mesmo materialmente, na sua igreja paroquial: "Logo
que chegou, escolheu a igreja por sua habitação. [...] Entrava na igreja antes
da aurora e não saía de lá senão à tardinha depois do Angelus. Quando
precisavam dele, deviam procurá-lo lá" - lê-se na primeira biografia.
[...]
"Todas as boas obras reunidas não igualam o valor da Missa"
vida. Pelo seu exemplo, os
fiéis aprendiam a rezar, detendo-se de bom grado diante do sacrário para uma
visita a Jesus-Eucaristia. "Para rezar bem - explicava-lhes o Cura -, não
há necessidade de falar muito. Sabe-se que Jesus está ali, no Tabernáculo
sagrado: abramos-Lhe o nosso coração, alegremo-nos pela Sua presença sagrada.
Esta é a melhor oração". E exortava: "Vinde à Comunhão, meus irmãos,
vinde a Jesus. Vinde viver dEle para poderdes viver com Ele". "É
verdade que não sois dignos, mas tendes necessidade!".
Esta educação dos fiéis
para a presença eucarística e para a Comunhão adquiria uma eficácia muito
particular, quando o viam celebrar o Santo Sacrifício da Missa. Quem ao mesmo
assistia, afirmava que "não era possível encontrar uma figura que
exprimisse melhor a adoração. [...] Contemplava a Hóstia amorosamente".
Dizia ele: "Todas as
boas obras reunidas não igualam o valor do Sacrifício da Missa, porque aquelas
são obras de homens, enquanto a Santa Missa é obra de Deus". Estava
convencido de que todo o fervor da vida de um padre dependia da Missa: "A
causa do relaxamento do sacerdote é porque não presta atenção à Missa! Meu
Deus, como é de lamentar um padre que celebra [a Missa] como se fizesse uma
coisa ordinária!". E, ao celebrar, tinha tomado o costume de oferecer
sempre também o sacrifício da sua própria vida: "Como faz bem um padre
oferecer-se em sacrifício a Deus todas as manhãs!".
"Círculo virtuoso" entre o altar e o confessionário
Esta sintonia pessoal com
o Sacrifício da Cruz levava-o - por um único movimento interior - do altar ao
confessionário. Os sacerdotes não deveriam jamais resignar-se a ver os seus
confessionários desertos, nem limitar-se a constatar o menosprezo dos fiéis por
este Sacramento.
Na França, no tempo dSanto
Cura de Ars_3.jpgo Santo Cura d'Ars, a confissão não era mais fácil nem mais
frequente do que nos nossos dias, pois a tormenta revolucionária tinha
longamente sufocado a prática religiosa. Mas ele procurou de todos os modos,
com a pregação e o conselho persuasivo, fazer os seus paroquianos redescobrirem
o significado e a beleza da Penitência sacramental, apresentando-a como uma
exigência íntima da Presença eucarística.
Pôde assim dar início a um
círculo virtuoso. Com as longas permanências na igreja junto do sacrário, fez
com que os fiéis começassem a imitálo, indo até lá visitar Jesus, e ao mesmo
tempo estivessem seguros de que lá encontrariam o seu pároco, disponível para
os ouvir e perdoar. Em seguida, a multidão crescente dos penitentes,
provenientes de toda a França, haveria de o reter no confessionário até 16
horas por dia. Dizia-se então que Ars se tinha tornado "o grande hospital
das almas". [...]
Assimilar em si o "novo estilo de vida" inaugurado por Jesus
No mundo atual, não menos
do que nos tempos difíceis do Cura d'Ars, é preciso que os presbíteros, na sua
vida e ação, se distingam por um vigoroso testemunho evangélico.
Observou, justamente,
Paulo VI que "o homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as
testemunhas do que os mestres; ou então, se escuta os mestres, é porque eles
são testemunhas". Para que não se forme um vazio existencial em nós e
fique comprometida a eficácia do nosso ministério, é preciso não cessar de nos
interrogarmos: "Somos verdadeiramente permeados pela Palavra de Deus? É
verdade que esta é o alimento de que vivemos, mais do que o sejam o pão e as
coisas deste mundo? Conhecemo-la verdadeiramente? Amamo-la? De tal modo nos
ocupamos interiormente desta palavra, que a mesma dá realmente um timbre à
nossa vida e forma o nosso pensamento?".
Assim como Jesus chamou os
Doze para estarem com Ele (cf. Mc 3, 14) e só depois é que os enviou a pregar,
assim também nos nossos dias os sacerdotes são chamados a assimilar aquele
"novo estilo de vida" que foi inaugurado pelo Senhor Jesus e assumido
pelos Apóstolos.
Os três conselhos evangélicos, necessários também para os presbíteros
Foi precisamente a adesão
sem reservas a este "novo estilo de vida" que caracterizou o trabalho
ministerial do Cura d'Ars. O Papa João XXIII, na carta encíclica Sacerdotii
nostri primordia - publicada em 1959, centenário da morte de São João Maria
Vianney -, apresentava a sua fisionomia ascética referindo-se de modo especial
ao tema dos "três conselhos evangélicos", considerados necessários
também para os presbíteros: "Embora, para alcançar esta santidade de vida,
não seja imposta ao sacerdote como própria do estado clerical a prática dos
conselhos evangélicos, entretanto esta representa para ele, como para todos os
discípulos do Senhor, o caminho regular da santificação cristã".
O Cura d'Ars soube viver
os "conselhos evangélicos" segundo modalidades apropriadas à sua
condição de presbítero. Com efeito, a sua pobreza não foi a mesma de um
religioso ou de um monge, mas a requerida a um padre: embora manejasse muito
dinheiro (dado que os peregrinos mais abonados não deixavam de se interessar
pelas suas obras sócio-caritativas), sabia que tudo era dado para a sua igreja,
os seus pobres, os seus órfãos, as meninas da sua Providence, as suas famílias
mais indigentes. Por isso, ele "era rico para dar aos outros e era muito
pobre para si mesmo". Explicava: "O meu segredo é simples: dar tudo e
não guardar nada". Quando se encontrava com as mãos vazias, dizia contente
aos pobres que se lhe dirigiam: "Hoje sou pobre como vós, sou um dos
vossos". Deste modo pôde, ao fim da vida, afirmar com absoluta serenidade:
"Não tenho mais nada. Agora o bom Deus pode chamarme quando quiser!".
Também a sua castidade era
aquela que se requeria a um padre para o seu ministério. Pode-se dizer que era
a castidade conveniente a quem deve habitualmente tocar a Eucaristia e que
habitualmente a fixa com todo o entusiasmo do coração e com o mesmo entusiasmo
a dá aos seus fiéis.Dele se dizia que "a castidade brilhava no seu
olhar", e os fiéis apercebiam- se disso quando ele se voltava para o
sacrário fixando-o com os olhos de um enamorado.
Também a obediência de São
João Maria Vianney foi toda encarnada na dolorosa adesão às exigências diárias do
seu ministério. É sabido como o atormentava o pensamento da sua própria
inaptidão para o ministério paroquial e o desejo que tinha de fugir "para
chorar a sua pobre vida, na solidão". Somente a obediência e a paixão
pelas almas conseguiam convencê-lo a continuar no seu lugar. A si próprio e aos
seus fiéis explicava: "Não há duas maneiras boas de servir a Deus. Há
apenas uma: servi-Lo como Ele quer ser servido". A regra de ouro para
levar uma vida obediente parecia-lhe ser esta: "Fazer só aquilo que pode ser
oferecido ao bom Deus".
Saber acolher os Movimentos Eclesiais e novas Comunidades
No contexto da
espiritualidade alimentada pela prática dos conselhos evangélicos, aproveito
para dirigir aos sacerdotes, neste Ano a eles dedicado, um convite particular
para saberem acolher a nova primavera que, em nossos dias, o Espírito está a
suscitar na Igreja, através nomeadamente dos Movimentos Eclesiais e das novas
Comunidades. "O Espírito é multiforme nos seus dons. [...] Ele sopra onde
quer. E fá-lo de maneira inesperada, em lugares imprevistos e segundo formas
precedentemente inimagináveis [...]; mas demonstra-nos também que Ele age em
vista do único Corpo e na unidade do único Corpo".
A propósito disto, vale a
indicação do decreto Presbyterorum ordinis: "Sabendo discernir se os
espíritos vêm de Deus, [os presbíteros] perscrutem com o sentido da fé,
reconheçam com alegria e promovam com diligência CURA DE ARS.jpg os multiformes
carismas dos leigos, tanto os mais modestos como os mais altos". Estes
dons, que impelem não poucos para uma vida espiritual mais elevada, podem ser
de proveito não só para os fiéis leigos, mas também para os próprios ministros.
Com efeito, da comunhão entre ministros ordenados e carismas pode brotar
"um válido impulso para um renovado compromisso da Igreja no anúncio e no
testemunho do Evangelho da esperança e da caridade em todos os recantos do
mundo".
"Forma comunitária" do ministério ordenado
Queria ainda acrescentar,
apoiado na exortação apostólica Pastores dabo vobis do Papa João Paulo II, que
o ministério ordenado tem uma radical "forma comunitária" e pode ser
cumprido apenas na comunhão dos presbíteros com o seu Bispo. É preciso que esta
comunhão entre os sacerdotes e com o respectivo Bispo, baseada no Sacramento da
Ordem e manifestada na concelebração eucarística, se traduza nas diversas
formas concretas de uma fraternidade sacerdotal efetiva e afetiva. Só deste
modo é que os sacerdotes poderão viver em plenitude o dom do celibato e serão
capazes de fazer florir comunidades cristãs onde se renovem os prodígios da
primeira pregação do Evangelho. [...]
"Eu venci o mundo"
À Virgem Santíssima
entrego este Ano Sacerdotal, pedindo-Lhe para suscitar no ânimo de cada
presbítero um generoso relançamento daqueles ideais de total doação a Cristo e
à Igreja que inspiraram o pensamento e a ação do Santo Cura d'Ars. Com a sua
fervorosa vida de oração e o seu amor apaixonado a Jesus Crucificado, João
Maria Vianney alimentou a sua cotidiana doação sem reservas a Deus e à Igreja.
Possa o seu exemplo suscitar nos sacerdotes aquele testemunho de unidade com o
Bispo, entre eles próprios e com os leigos, que é tão necessário hoje, como o
foi sempre.
Não obstante o mal que
existe no mundo, ressoa sempre atual a palavra de Cristo aos Seus Apóstolos, no
Cenáculo: "No mundo sofrereis tribulações. Mas tende confiança: Eu venci o
mundo" (Jo 16, 33). A Fé no Divino Mestre dá-nos a força para olhar
confiadamente o futuro.
Amados sacerdotes, Cristo
conta convosco. A exemplo do Santo Cura d'Ars, deixai-vos conquistar por Ele e
sereis também vós, no mundo atual, mensageiros de esperança, de reconciliação,
de paz.(Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2009, n. 92, p. 6 à 9)
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