Na reportagem intitulada “Quanto vale sua fé?”, publicada
pelo Diário de Caratinga no último domingo, 20 de setembro, foi publicada uma
entrevista com o padre Dione Leandro, atualmente vigário paroquial em Mutum.
Conciliando as respostas do padre e de um pastor
protestante Claudecir Gomes de Souza Júnior, líder da Igreja Batista
Filadélfia, em Caratinga, a reportagem relatou a história do movimento
neopentecostal que invadiu as Américas a partir da década de 1980.
Veja a seguir na íntegra a entrevista concedida por padre
Dione.
O senhor acha certo criar um patrimônio usando o
evangelho através de músicas ou pregações?
Todo trabalhador tem direito ao seu próprio salário
visando à manutenção de suas necessidades. Contudo, é importante que não haja
exploração do sentimento religioso das pessoas, visando o lucro pessoal, como
tem acontecido atualmente na sociedade. É claro que todos que se dedicam ao
anúncio do Reino de Deus têm que ser os primeiros a vivenciar o que pede o
Evangelho: uma simplicidade de vida para se fazer servo de toda uma humanidade
como o próprio Cristo se fez. Ninguém pode ou tem o direito de se fazer maior
que o mestre que é Jesus Cristo, Ele que, sendo rico, se fez pobre para nos
salvar, esvaziando-se de sua condição divina se fez um de nós (Fl 2, 6-8).
Essa “venda” da prosperidade na terra não se parece com a
venda de indulgência da igreja católica no passado?
Na verdade não. A venda de indulgências consistia no
perdão dos pecados fora dos sacramentos, total ou parcial, a remissão é
concedida pela Igreja Católica no exercício do poder das chaves, por meio da
aplicação dos superabundantes méritos de Cristo. Em um certo período da Igreja,
estas indulgências passaram a ser vendidas por valores monetários, hoje a
Igreja concede a Indulgência em determinado momentos fortes na vida das
comunidades, como por exemplo nos jubileus e anos Santos, como é o caso do
próximo ano (2016) que celebraremos o Jubileu da Misericórdia anunciado pelo
santo padre o papa Francisco. A venda da prosperidade terrena nada tem haver
com a remissão dos pecados, mas sim com a aquisição de bens aqui na terra.
Teoricamente, Deus abençoa os seus com bens terrenos, mas se pegamos a palavra
de Deus ele mesmo é quem nos fala por meio de Jesus: preocupai-vos não por
juntar tesouros na terra onde a traça corrói, mas ajuntai tesouros no céu (Mt
6, 19-20). Portanto, a “venda” ou promessa de “prosperidade” terrena nada tem
em comum com a venda das Indulgências que já existiram na vida da Igreja, mas
muito mais com a proposta reformista de João Calvino, na Suíça do século XVI,
quando se pregou o acúmulo de riquezas como um dos sinais visíveis da salvação.
O que o senhor acha de se pedir ofertas por meio de
cheque ou cartão de crédito?
Em nome de uma modernidade e atualização, muitas pessoas
e instituições já implantaram este tipo de opção para doações em suas igrejas.
Particularmente, penso que devemos usar de todos os meios para evangelizarmos,
mas a exploração das pessoas não é evangelização. Todos os meios que temos são
sadios e depende unicamente do bom uso que fazemos deles. Se bem
conscientizados de que o que doamos no templo de Deus é para ser usado nas
obras de evangelização não vejo problema na utilização destes recursos, mas
acredito que quando usamos estes meios ainda não estamos totalmente conscientes
de que o reino de Deus não é um comércio. Parece que estamos num Shopping
religioso: vou, compro minha bênção e volto para casa com a consciência
tranquila. Acredito que ainda temos muito que avançar neste sentido, pois o que
está em jogo não são apenas os meios que utilizamos, mas a consciência que
temos do nosso dízimo, quando devolvemos a Deus um pouco do que ele nos dá como
forma de gratidão.
O que o senhor entende quando a Bíblia diz que no fim dos
tempos haveria falsos profetas?
Os falsos profetas existem e isso é fato! Nós não podemos
negar! Agora falar de fim dos tempos não cabe a nós. A própria Palavra de Deus
diz que não cabe a nós sabermos os tempos e os desígnios de Deus (At 11,7). Mas
devemos estar atentos para não cairmos em ciladas que nos são armadas por
homens aproveitadores que usam da índole religiosa do povo para tirar vantagem
em seu próprio favor, estas pessoas são manipuladoras da Escritura Sagrada, por
isso devemos colocar nossa confiança no Senhor que fez tudo o que existe e nos
acompanha ao longo da vida. Seguirmos a Cristo é colocar nas mãos dele tudo que
temos e somos, mas não nos deixarmos levar por falsas doutrinas. Quando lemos
atentamente as cartas de Paulo percebemos que já naquele tempo haviam pessoas
pregando um Evangelho diferente do que Paulo havia anunciado, esta é a missão
do profeta: fazer com que o anúncio da Boa Nova do Reino seja fiel aos
ensinamentos deixados por Deus e que chegou até os nossos dias graças a
Tradição da Igreja que ao longo dos séculos transmite a Palavra de Deus através
das Escrituras e da tradição oral.
Na Bíblia existe algum relato de alguém que tenha cobrado
para pregar o evangelho?
Não. O próprio apóstolo Paulo que se dedicou tanto ao
anúncio da Palavra de Deus sendo responsável pela expansão do cristianismo
graças às diversas viagens que fazia. Por onde passava, procurava uma forma de
se sustentar para não ser pesado à ninguém a sua estada entre os recém
convertidos ao cristianismo (2Tes 3,8). O que temos relatado no livro dos Atos
dos Apóstolos é a forma de viver da comunidade, na qual não havia necessitados
entre eles, pois todos colocavam seus bens em comum (At 4, 34-35). Outro
momento narrado era o das pessoas que ajudavam na manutenção financeira dos
apóstolos, mas não temos relatos de que estas pessoas cobravam para anunciar o
evangelho que inclusive Paulo considerava como Graça de Deus poder ser um
pregador da Palavra.
O senhor é a favor de cantores, seja do cenário
evangélico ou católico, cobrarem por suas apresentações?
Para sua manutenção sim. O que não concordo é com o
comércio religioso que se tem estabelecido atualmente. As grandes empresas de
comunicação têm feito o uso dos cantores “gospel” para fazerem patrimônio
próprio. Os eventos religiosos têm despesas bem como as gravações de CDs, DVDs
ou BLU RAYs. Mas em nome disso não podemos criar um meio de lucro fácil. É
necessário que estes cantores e produtores de eventos criem alternativas para
que os shows e as mercadorias, como CDs e outras mídias sejam de boa qualidade,
não apenas física, mas de qualidade na mensagem que transmitem, possuindo uma
verdadeira coerência teológica e pessoal, e sejam acessíveis ao povo cristão
que tem o direito de escutar músicas de qualidade, ver bons DVDs, acompanhar
bons Shows e ler livros de qualidade, o que entendemos ser eficientes métodos
de evangelização. Não somos contra o custeio de vida dos verdadeiros
missionários que muito nos ajudam através da música, por exemplo. O que nos
espanta são o mercenários, que exploram a fé alheia e constroem verdadeiros
impérios para si, enquanto seus ouvintes permanecem carentes dos sinais do
Reino de Deus.
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